11.10.07

Na língua deste planeta ela podia chamar-se Feliz.

X81, fagulha verde, desceu da quarta estrela e avançou, mergulhou na água gelada e estremeceu, voltou à tona e olhou o Céu, tinha viajado nebulosas e galáxias, sacudiu a cabeça várias vezes para os lados e fiapos de luminosidade se eriçaram. Na língua deste planeta ela podia muito bem chamar-se Feliz. Etérea e tonta, ia salvar mais sonhos de se afogarem enquanto o grande vórtice violeta continuava a consumir o desvario da guerra.
Viu a abelha boiando no mar e entrou nela. Outra parte de si infiltrou-se no punhado de areia que logo se enxugou nas mãos do homem. Ele caminhou trôpego e pousou a abelha na amurada improvisada do hotel tentando salvá-la, sem saber que batizava a viajante do espaço. Algo do homem era vento e soprou. Uma asa da abelha que estava colada ao corpo soltou-se, o homem soprava macio para tentar curar a asa da abelha e para afastar aquele grão de areia dos olhos que agora eram de X81 também. De vento também, o homem não conseguia domar aquele grão que por si só talvez se mexesse indepentende do vento. E tudo o que seu sopro comovido poderia fazer era com um amor plasmático entregar a abelha ao dia, soltou-se dela e do destino de X81, fagulha verde e enternecida, o Sol ardia, cansado e também liberto por compreender a coisa toda de algum modo o homem se rendeu, tinha perdido tudo na guerra, a ânsia não, sentou-se e suspirou queixoso: ‘Queria tanto um amor'. Se acreditasse em Deus até pedia. Se queixou a deus nenhum e aquele som inédito de súplica intensa agitou X81 dentro da abelha, fagulha doce, o soldado suava, era brilhante, macio, ela enxergou células vivazes na pele morena castigada, sua voz possante enchia a praia, o grão rebelde se soltou do olho da abelha, X81 revoou o corpo do homem querendo aquela flor comprida e bela, ele se abanava, se estapeava rindo tentando afastar a abelha extasiada, na qual, por dentro, X81 se acomodava e retorcia um frêmito, ainda não conseguia contato, uma rajada que era nela inconsciente e sábia empurrou-a para os escombros onde a pin up exalava graça à beira-mar nos escombros onde tinha sido a cidadela turística; X81 esguichou-se da abelha, mirou a pin-up e se projetou, enfiou-se pelos olhos esgarçados da boneca pintada no outdoor esburacado, expandiu-se em fagulhas curiosas ocupando o oco do corpo estampado e chegando à abertura trêmula.
Agora sim. Tinha dado certo. Tinha um corpo de mulher e um coração de abelha. Ia saber melhor o que era aquilo. Ia experimentar a dor e o amor daquele novo destino. Humano.

imagem: Marc Chagall. The Promenade, 1917-18 . http://www.geocities.com/Paris/Parc/2331/russia/chagallgallery.html

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