9.10.06

Origem

Quando era pequena acreditava
que tinham me achado numa lata de lixo.

Me lembrava do luar,
amarelado por sobre a lata.
A companhia de gatos, cacos, papelão, carvão molhado.
Não me sentia órfã.
Não me perguntava se não tinha pais.
O luar da madrugada era a minha origem.
Eu brotara do lixo,
simplesmente.

Não me sentia ofendida
Mas fui grata à mulher e ao homem que passavam e me recolheram
Me alimentaram com leite
Me deram uma infância com árvores
Um quarto com uma telha de vidro no teto para deixar entrar a Lua
e eu nunca me esquecer de quem sou.
Todas as vezes em que me perdi
estive apenas distraída

Pensava que todas as crianças do mundo começam assim
Cogumelos, musgos, brotos de escuridão
Um dia descobertos e adotados por compaixão

Até hoje creio nisto.

.
imagem: cena do filme "Blade Runner" (O Caçador de Andróides); EUA,Ridley Scott,1982.

23.9.06

epitáfio


Aqui jazo eu
Pó enfeitiçado
Que me embriaguei de Sol e de Lua
e não sei o que me virei.
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Nosso Ancestral é um rio azul, SP, Rio Azul, 2006.

3.9.06

Ele se lembrou de que há um dia em que os limites entre os mundos se esgarçam


Acordou sentindo a dor do mundo, do mundo inteiro embora seu coração estivesse preso do lado de dentro do muro vergonhoso. Olhou para os arredores em frangalhos e acariciou as lembranças do vilarejo, as casas bombardeadas dos parentes dos heróis, crianças correram esbaforidas e ele as reconheceu sem esforço, uma era ele mesmo, a pele ressecada e clareada pela areia na qual gostava de se enroscar como um cabrito com cócegas. A outra era Jade, a prima mais velha de olhos já brilhantes de uma futura explosão que espatifaria seu sorriso branco e o varreria para os quatro cantos. A outra era a pequena menina judia que por um poro do muro esburacado viu quando ele e a prima se roçaram. Se ele não se matasse e se ela chegasse a crescer, um dia ele e essa menina se apaixonariam e construiriam uma casa no lugar do muro.
Ele se agachou e aproximou o olho direito da pequena fenda. Antes de ver de novo a menina deu com um inseto engraçado que olhou prá ele com olhos minúsculos sonolentos. Eles pareciam se encaixar nas pupilas inquietas dos olhos da menina um pouco mais prá trás, eram dois pares de olhos saltados de curiosidade e susto, sonhos apertados e moléculas vivazes. Por fim se esconderam sob cílios negros que se agitavam como aranhas. A tarde palestina tinha um compasso metálico e traçava impiedosa circunferências fatídicas para os amores.
Ele se lembrou de que há um dia em que os limites entre os mundos se esgarçam, não se lembrou direito de quando seria, pensou que Alá permitiria que ele voltasse do Paraíso para encontrar-se com ela outra vez para rirem e dançarem num giro dervixe neste vão de muro que talvez seja o horizonte.
Olhou mais uma vez e a viu ao longe, ajustando a mochila nas costas e caminhando apressada, trágica e cansada demais para a idade, confundindo-se num instante com a fila tristonha do trânsito e sem saber se o futuro virá. Ele apertou o rosto no muro esmagando os olhos para tentar trazê-la de volta, espalmou a mão magra pelo poro do cimento que já era uma ferida grande e dolorida. Os dedos empoeirados fizeram um movimento desesperado empurrando os tijolos, depois desistiu e limpou as mãos nas roupas surradas.
Com os olhos do pequeno inseto e os da menina dentro das próprias órbitas, arredondou os ângulos sofridos dos quarteirões queridos e das lembranças de toda uma vida uma última terrena vez.
Decidido agachou-se e beijou a fenda no muro. Alguém tinha enfiado ali um pedaço de jornal amarfanhado mas entrava luz por uma fresta guerreira e ele enxergou, já pronto, coroando o seu destino, o turbante próximo iluminado de glória e de eternidade.
Abriu bem os olhos e apertou sem dó o botão da flor de todas as bombas bem em cima do seu jovem fígado apaixonado.
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imagem:Qalandia Check Point, Ramallah, Palestine. Auxcouleursavenir's Fotothing. http://www.fotothing.com/auxcouleursavenir/photo/2645e4edf211af4e3e11ffde8e160127/

21.8.06

Coisas da Terra

(Chagall1931)

Tição ficou desnorteado quando ouviu o comentário. Então ele ia voltar, o maldito?? Ia voltar e Branca ia ficar louca por ele, que dúvida. Ela adorava astros.
Ia se apaixonar por ele, como tinha acontecido já com tantas outras, que de tanta paixão e de tanto susto perderam o rumo, afogaram o trote, descabelaram-se inteiras.
Por que a Natureza era tão injusta? Tição muito revoltado olhou para o Céu. Tinha que ter uma boa idéia depressa. Temeu que a notícia chegasse aos ouvidos dela antes de ter enraizado nela o seu amor. Então resolveu convidá-la para uma longa viagem ao redor do mundo, esperançoso de que, em outros lugares, houvesse outros assuntos menos perigosos.
Branca adorou a idéia, começou a arrumar as malas. Que romântico. Fazia tempo que você não tinha gestos delicados. Fazia tempo que você não ligava pra mim. Enquanto escolhia a lingerie mais bonita, achou que ele apesar de tudo ainda merecia um coice. Eu quase ia me apaixonando por outro, Tição. Bem que você merecia.

Tição ficou vermelho de raiva, de ciúme, de pequenez. Mas ainda havia de dar tempo de impressionar aquela fêmea bonita.
Meu Deus, me ajude, ele pediu desesperado e humilde, descobrindo que não era mais ateu. Na saída da cidade deram de cara com a tabuleta: “Bem-vindo, grande astro!”
O Astro?! Ele por ali também? Branca ainda não sabia que ele vinha. Que astro é esse, Tição? Ah Um campeão de pólo que vem lá de onde Judas perdeu as botas, pra disputar o troféu Fogo no Mato, ele mentiu inseguro e trêmulo. Você não ouviu falar do campeonato?
Não. Branca disfarçou, ficou desmoralizada e isso foi a salvação, o assunto morreu ali mesmo. É melhor você ficar aqui enquanto saio para comprar jornais, Tição falou assim que se fecharam no quarto de hotel em Paris. Não liga a televisão, pode piorar a sua dor de cabeça. Promete? Fica aqui pensando em mim e esquece o mundo lá fora?
Vai logo, Tição. Estou louca pra você voltar.
Na banca de jornais ele sentiu tontura. Não é que os franceses, nas primeiras páginas, também saudavam o astro? O que tinha adiantado fugir de Romaria? Se até em Paris ele passaria, e, o que é pior: passaria antes!
Tição voltou correndo esbarrando nas pessoas. Cavalo! Xingou um francês em francês. Não olha por onde anda?!! O que este cara está pensando? Cavalo.

Tição escolheu flores do campo, entremeou-as com eucalipto. Assim Branca ia ver que ele não se esquecia do primeiro encontro dos dois num bosque em tempos idos.
Quanto tempo perdi, lamentou. Não fiz nada de notável na vida. Agora ele chega e ela vai querer o outro apesar das minhas flores, afinal ele é um astro e eu não sou, sou só um burro, um cavalo que não olha por onde anda! Sentiu mais tontura ainda e continuou correndo.
Eu não liguei a televisão, querido. Mas jornal eu quero ler. O que está acontecendo por aqui?
Nada que preste, ma Blanche. Eu trouxe flores, você não prefere?
E a olhou com tanto amor e desejo que o coração dela disparou. E ela aceitou brincar de não saber de nada, de andar de olhos vendados pelas ruas de Paris, Milão, Bruxelas, de Todavia. E assim foi a viagem toda, ela conhecendo as paragens só pelo sopro do vento nas pálpebras e pela crina firme de Tição levando-a como um braço.
Algum tempo depois eles voltariam a Romaria. Os homens tinham comprado esporas novas e as mulheres renovavam seus votos de ciganas encompridando as saias com lantejoulas e rendas.
Não tem jeito mesmo, ele vai chegar, ela vai vê-lo, vai se apaixonar por ele e eu vou ficar de casco furado. Droga de vida.
Olha o cometa, Tição! Parece mesmo a estrela dos Reis Magos! Mas acho que minha avó exagerou. Ele está meio embaçado. Nem dá pra ver direito o rabo dele. Não acho ele essas coisas não. Eu não me jogaria no lago por causa dele. Mas por você eu cruzaria os Céus.
Tição ficou tão feliz que teve vontade de relinchar. Ficou esperando, o coração aos pulos, o cérebro quebrando estacas. A noite toda não aconteceu. Ela não se referiu nenhuma vez ao Halley com entusiasmo. Na noite seguinte, quando os habitantes de Romaria olhavam o Céu de luneta, ele convidou Branca para continuar com ele a raça deles. Vão ter um filho valente, que um dia vai ganhar o Troféu Fogo no Mato de Pólo de Romaria.

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Mosteiro Zen Morro da Vargem, Ibiraçu, ES. Passagem do Cometa Halley pela Terra, 1986.
Para as crianças de Ibiraçu, súbito grupo de teatro da chuva. Pedimos com tanta força que choveu.
Para a família Paggiola, que me ajudou a subir o morro.

Coisas da Terra. Conto de amor para crianças. São Paulo, Revista Balde Branco, março de 86.

6.8.06

Nem a Morte



Só AMORte AMORdaça AMORdida AMORosa
Só.

(Day by day. Grafitti paulistano, década de 80)

Boca que já perdeu os dentes
Por acaso não foi que não perdeu o hábito.
De dentro da carcaça velha a velha reclama: “Nem amante nem amigo.
Ninguém quer mais nada comigo.”
Era só procurar. Sair por aí farejando outra carcaça.
Mas a velha já não enxerga mais tão bem. Podia se confundir.
Se apaixonar por uma árvore de outono.
Dentro da velha a fêmea suspira: quer um macho.
Precisão que não caduca não caduca não caduca.
Ela põe caqui na gaveta do armário de roupa meia no fogão
Investiga a ladra refinada que mora dentro da casa
E rouba suas agulhas quando ninguém está olhando.
A velha que socava canjica no pilão
Talvez até o fim ainda se lembre da mordida do amor na alma.
E soca soca soca
Seu desejo por um varão.
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imagem: Holding Onto Knowledge..by
nancyem1983
..Album: Around The House Art."Used with permission from CNET Networks, Inc., Copyright 200_. All rights reserved."

5.8.06

Filha do Vento.


O vento Sul me acordou com sinos
Varria a rua, fazia folia
O vento Sul é alegre
Acho que sou sim do Vento Sul

Desarrumou plantas lá fora
Puxou folhas, levantou cortinas
Jogou a manhã prá dentro do quarto
Queria brincar, brinquei com ele
O vento Sul é criança
Acho que sou sim do Vento Sul

Sei quando ele vem, ele é assim
Nem preciso olhar prá que lado voam folhas
Já de noite a alma dele se formando me tira a roupa
Quer me ensinar a voar, a ficar leve
Qualquer dia o Vento Sul vem e vai me levar com ele

O Vento Sul é forte
Gosto quando ele vem e me bate.
Mulher de malandro não. Filha de Deus.
Folha do Vento Sul
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imagem: O Beijo. Homem-Aranha e Mary Jane ( atores Tobey Maguire e Kirsten Dunst).Foto-divulgação.Spider-Man,EUA,Sam Raimi,2002.

29.7.06

Réquiem inacabado.

Rosena tinha o peito doído, remédio algum aplacava, Viuvão assim mesmo insistiu Deixa eu ajudar você, Rosena. Nessa hora doída Rosena dizia Sou filha de tarântula. Rosena picada de aranha e cobra. Rosena esculpida dentro de mim.Vejo-a assim um sumo de cedro escorrendo, passos fortes sobre o chão, veludo macio de saia esfregando o calor da coxa suada. Rosena pegava o bandolim e gritava coisas altas de paixão. Viuvão acudia balançando sais, o domingo hoje se estica feito elástico e couro de tatu, quem pintou essa estrela mais rubra?! Quem estendeu essa escada para o Céu?!! Juro que não pintei aquela nuvem, não fui eu, mas queria tanto ter feito, ah! É sempre o vento artesão.
Os descendentes hoje se reúnem, sonham motivos, forjam mentiras, inventam circunstâncias. Fazem dela o que bem querem. Não pode mesmo ser de outra forma. A boca enorme de Rosena está fechada para sempre. Não pode mais sorrir, reclamar de injustiça. Rosena está profundamente calada desde a crise de apendicite do carnaval de 1929. Hibernou, virou retrato. Está perpetuada no Museu da Imagem e do Som. Introduziu sons dodecafônicos no bandolim, enfeitou nossa árvore de mulheres. Mas na casa de Armanda é assunto que não pode ser tocado. Você puxou a avó, desgramada. Quem? Eu?????
Não há trégua. Igualzinha. É quando fazemos das nossas, chegamos ávidas, disfarçando, rondamos a galeria dos parentes com um ar sonso excitado. Queremos nos eximir? Culpá-la? Hoje quero adorá-la. Desenterrá-la com desvelo, sem desmanchar seus pecados. Quem tirou este retrato? Vocês não têm outro assunto?? Fui eu.
Queria ter sido. Rosena cavalgou nua na chuva, viveu na casa grande envidraçada que se entortava na ilha feito uma centopéia. Um dia ela e a filha encontraram perto da entrada o bicho cheio de pernas, Aninha era pequena, se agacharam e olharam, Rosena explicou abrindo a saia É assim uma coisa esquisita cheia de perna e desejo, feito mulher, minha filha, feito nós duas e todas. Aninha repetiu no colégio, vieram reclamar. Dêem-se ao respeito, senhores! Viuvão defendeu. Minha mulher é uma artista! Os filhos cresceram admirando. Tanto amor, tanta paixão. Por que nossa geração a perdeu? Não adianta olhar pro outro lado. Estou falando com você. Quantos anos será que ela tinha? Viuvão não podia saber, ela escondeu sempre a idade, talvez fosse mais velha que ele, tanta dama criada por governanta francesa na Capital da República, Viuvão escolheu a dos olhos. De onde será que ela veio? Filha de cigano? Era bruxa? Nunca vi olhos dessa cor, de orquídea da duna, violeta, alguém mexeu nesse aqui. Em mim também. Vão esconder até quando? Pra que tantas perguntas inúteis?!! Ninguém vai poder responder! Estas malucas fazem o que bem entendem com a história! Querem ser igual a Rosena. Se soubessem! Se soubessem! Coitado do bisavô. Armanda anda sem parar, bate nervosa o tapete, que vergonha, meu Deus, quanta dúvida grudada, terroristas, safadas, diabo de sangue mais forte, Armanda bufa, estremece, parece que reza Livrai-nos Senhor da fúria dos genes Amém. Acaricio o retrato, tanta dívida tecida. Alguém marcou esse esse aqui com o dedo. Vocês não lavam a mão antes de mexer em retrato??? Gente mais mal educada! Me marcaram com uma tatuagem na alma. Pronto. Ninguém mais mexe no álbum, vou trancar. Eu abri e gostei. Uma coisa assim esquisita cheia de perna e desejo, feito nós duas, Aninha, feito elas também e mais todas. Mesmo assim ainda não posso morrer. Quero mais.
Vocês roubaram uns retratos! Cadê? Onde está o bandolim da vó?! Eu quero tanto ele pra mim!!
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imagem:

12.7.06

Esta flor não pode ser deste planeta.

Ela furou com um palito os últimos pães, desligou o forno, foi até o lavabo, desistiu. Tinha suado um pouco na cozinha mas não retocou a maquiagem. Havia uma espécie de pacto entre eles de se encontrarem sem retoques, sem edição, sem cálculos, mínimos que fossem. Ele tinha dito que gostaria de descobrir no beijo daquela noite todos os sabores que ela tivesse provado antes dele. Ela achou nojento, escatológico, vulgar, mas concordou macia, sempre cedia assim nesse tom acostumado, mesmo quando brincava daquilo, ou principalmente quando.
Resignou-se ali na fresta.
Ele nem bateu à porta, empurrou e entrou, ela saía do lavabo e a porta atingiu-a em cheio na testa, ele nem viu que ela tinha se ferido, jogou-a no chão e apertou-a sob seu corpo gordo. Bruto, deve ter me quebrado umas três costelas. Ela descobriu o quanto estava infeliz, traída e empanturrada por relatórios ocos sobre sensualidade que ela e ele a si mesmos se impingiam achando-se irreverentes. Desta vez custou, a mentira já se esvaía, tola, pífia, bolha de sabão, esfacelava a cena, ele apertou-a mais ainda contra o tapete e o garfo que ela tinha deixado cair ali da pizza da noite anterior cutucou-a um pouco, ela sentiu a pressão do súbito tridente mas não conseguiu se mexer para se desvencilhar daquilo, então como num sonho a lembrança de Brando voltou à sua mente, ao seu coração, ao seu sexo triste, Brando era terno, forte também e terno, quando os dentes do garfo finalmente conseguiram furar seu moleton sangrando-lhe as costas o nome dele emergiu sem luta da garganta rouca e aguerrido aumentou seus lábios como nenhum botox ou outro fio de ouro ou batom de mentol assim jamais faria: Brando. Mas quem é Brando??? Ela não quis explicar nem sentiu culpa, ele praguejou alto até a rua, bateu a porta do carro com estrondo e a xingou. Foi delicioso. Ela se levantou vencida pela ternura antiga da lembrança súbita. Brando. Sentou-se sob as estrelas e viriam muitas noites e a certeza muda, quando a campainha tocou ela estremeceu, demorou-se um pouco numa estratégia perfumada, esperou que ele tocasse uma segunda vez e sofresse um pouco, mas ele poderia muito bem num gesto de elegância e amor-próprio não ousar uma segunda vez e jamais voltar e ela não saberia mais viver sem ele. Faiscou na porta. Abriu-a afogueada e encontrou-o ali, sereno, rindo, levantando do chão os jornais dos últimos dias que ela não tinha recolhido, segurava uma flor vermelha enrolada num celofane muito fino e poeticamente opaco, era mais um de seus enigmas. Brando era diferente de tudo o que já tinha visto. Esta flor não pode ser deste planeta, ela falou prevendo.
Se olhavam fundo, ela tirou um cisco invisível que ele escondia no suéter, não tinham feito qualquer pacto mas tudo era solene entre eles, sempre tinha sido, como que preparado há vidas. Alguma coisa começou a pulsar, a puxar prá perto, o estômago fazendo voltas já se inventavam um ao outro naquele desejo baio e já queriam se devorar. Me espere um pouco, ela pediu. Um pouco só. Mexeu nervosa na nécessaire, esfregou a pequena lua com um pouco de pasta de dente até ficar radiante, reluzente, linda, pendurou-a de novo no umbigo, o censor do piercing apenas confirmava o que ela praticamente já sabia. Quando voltou com aquele ar seguro e viu nos olhos dele uma certeza triunfante, sabia sem nenhuma dúvida que nunca, nunca diria o nome de outro homem no ouvido dele, não, não, jamais diria, aquele ato falho era impensável.
Projetaram-se leves para além do arco, caminhavam juntos para encontrar o ogro, a coruja, o escorpião de mil pernas, o olho de Deus, qualquer perigo, todas as alegrias. Que Lua é hoje? Um na frente do outro o raio interrompeu a frase, cortou com força de foice sua vogal mais brilhante, sua primeira declaração de amor. Riram e o susto suou devagar aquela rua do planeta e o destino se fazia ardente, craquelê, imponderável. Brando abriu a porta da nave e estendeu-lhe a mão, viajariam enfim de volta para o Azul. O Azul! O Azul!
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imagem: “Papavero nell'azzurro del cielo”..by palclaud2 ..Album: Evviva! Seppur in ritardo e' arrivata anche qui la primavera. The spring has come.. .."Used with permission from CNET Networks, Inc., Copyright 200_. All rights reserved."

27.6.06

Mu


No alto da montanha foi o açoite do vento. Éramos pequenos como gafanhotos que não premeditam com ruindade o fracasso de nenhuma safra. Por isso às vezes nos perdôo no alto da montanha.
De lá eu poderia olhar o mar. Tinha subido para a solidão e para o que o silêncio quisesse me dar, uns pressentidos ferozes frutos. Subi para ficar entre as árvores. A foice da Lua encontrou o lago por seu flanco oculto aberto na noite. Em volta de nós macios e solenes pisavam gravetos casais leais de caranguejos e aranhas.
Andavam assim nessa época, aos pares, e em outras? Como se desgarrariam? Parceiros nos tornamos. A Natureza tudo abarca e Jó olhava. Vivíamos os dois a mesma estação crua dos bichos. Jó olhava e os astros eram todos uma constelação de assédios. Jó começava a amassar de longe com o olhar o meu couro devagar e fundo como se eu fosse a vaca, eu não podia rir nem falar, era Vaca Amarela, mas Jó não impediu o meu grito. Desceu pelos fios brilhando cravejados carrapatos antigos. Desfazia nós, ressaca de brisa, laço de grama, vertigem. Eu quase sempre despenteada porque adormecia e vinham as formigas. Jó dava um jeito final e chamava para a mesa.
Lá dentro deslizando por tudo o seu olhar era um navio, boiava por trás da xícara à esquerda da garrafa térmica por cima do pão esticava a sua mão cheia, despencava a testa e tudo inundava a tristeza do meu bem. Jó sangrando era mais alto que as árvores, mais feroz que onças, mais manso que os bagaços rendidos no terreiro para o trabalho do Sol. Levantava e varria, varrer podia. Barata morta, mosquito, grão de arroz e de feijão, qualquer poeira, resistentes quimeras. Quando nem precisava Jó também varria. Fazíamos tanto silêncio que qualquer cisco caído era trovão. Nosso caminho foi esse, taquara e bambu, coisa aflita triturada no mato. Ouriço das pedras nosso querer e a alegria de ter sido mordida por suas formigas na encosta íngreme onde ninguém nos ensinou os perigos do amor.
Eterno e frouxo o seu cerco de olhar. Para eu não agüentar e falar. Menos que frase. Não precisava ser palavra, som que avizinhasse cercanias murmurando eu ia perder. Perderíamos ambos nosso mútuo ardor constante. Vaca Amarela. Quem falar primeiro perde todo o encanto dela.
Da montanha Jó olhou a cidade, encheu os olhos de neón. Mas antes foi aquilo. Antes foi tudo e nada, brincadeira, coisa alegre, paraíso e perdição, Jó começou com a vaca porque éramos gafanhotos. Continuou com a vaca para eu não poder me explicar, sabia o suplício que era, fazia tudo de propósito, caso tramado. Já tinha se esquecido das rusgas da tarde, mas sabia como me martirizar me calando. Decidiu então: Agora é Vaca Amarela. Quem falar primeiro... Levantou e varreu. Mu. Mu. Mu. Mu liberta. Varrer podia. Varrer curava. Varrer varria.
Varria varria varria. Voltava quase nunca redimido ao centro do silêncio onde qualquer som foi caos, desastre, um grampo meu sinistro sinal e derrocada de que antes do início dos tempos eu sempre louca me descabelava por ele. Tudo ele louco a puxar para o seu lado, tudo o que ele queria era pensar coisas assim de mim e eu não poder me defender mentindo que não. Ouriço das pedras o que ele foi, tentando me arrancar rumores.
Já tinha passado o comichão. Não estava mais inchado. Não estava mais vermelho. E de cada unha ia brotar um pé de salsa.
Jô já tinha sofrido bastante. Provoquei então Vai, Jó. Mostra tua língua prá Deus, que te priva.
Jó só riu. Não se vingou. Não me mandou raspar a panela. Pôs mais tarde uma toalha em meus ombros. Agora vamos brincar de outra coisa, falou. E começou.

O amor foi um túnel escuro até Jó chegar com o pente.
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(Imagem: Scarab Necklace..by nancyem1983 ..Album: Around The House Art...."Used with permission from CNET Networks, Inc., Copyright 200_. All rights reserved.)"

"Além do horizonte existe um Lugar"

Ela desvencilhou-se dele a muito custo, deitou-se na cama e riu alto do seu ar sério, meio brava apertou pra trás o umbigo fazendo uma careta, ele puxou para cima o zíper do jeans muito justo, torcendo para enganchar no piercing e eles recomeçarem tudo aquilo, ela sempre o provocava com aqueles renitentes 9 quilos a mais que os doces perpetuavam na sua carne fogosa, gostava de guardar lá no fundo a lembrança grudenta das suas mãos viajando por seu corpo a noite toda e a levaria assim clandestina, inquietante, no forro da calcinha já um pouco engomada. Enfiou as botas mordendo os lábios, antes de saírem para o World Trade Center esmagou com prazer o corpo esmirrado de 5 formigas que deixavam o resto do bolo-mousse de chocolate que tinha comprado na doceira japonesa para comemorarem o 44o. aniversário de seu insólito e adorado marido, tinham chegado de Amsterdan há 2 dias, voltavam para o trabalho sem saber que nunca, nunca mais se beijariam. Mal tinham entrado no prédio e elas já começavam a descer, as formigas, intuitivas e vermelhas caminhavam depressa, nervosas, quase histéricas, desordenadas numa fila irregular, pressentiam o estrondo talvez e começaram a pular as escadas do 64o. andar para o 32o. se atropelando, quando o primeiro avião atingiu a primeira Torre elas foram carbonizadas no 37o. e não chegaram a esbarrar em Loreta Lee. Antes de saber da morte da filha caçula, Sarah Cohen ligou a televisão e caiu perplexa no sofá. O que era aquilo??? A Terceira Guerra Mundial??? Dali a um minuto detonariam a última bomba atômica como no filme “O Planeta dos Macacos”?? Nova York acabaria??? Trêmula, desesperada, telefonou aos gritos para a filha mais velha na Jamaica suplicando-lhe perdão. Cinco minutos depois Nova Iorque não tinha acabado. Sarah suspirou aliviada, logo depois bufou e arrependeu-se de ter sido piegas, recompôs-se, não admitiria que a filha provocasse a família com aquele deboche intolerável do romance com o cantor negro!! Discou novamente, para a Jamaica, vomitou toda a sua aspereza e deserdou a filha .Ficou sentada a manhã inteira no sofá arquitetando a vingança suprema contra o marido aparvalhado. Antes do meio-dia, 6 formigas decididas desceram da torta de maçãs à sua frente, atravessaram o lavabo, mergulharam nos restos sujos de papel higiênico na cesta abafada e voltaram para a torta. Sarah Cohen nem percebeu. Assim que soube da morte da filha sardenta no Wolrd Trade Center, James Cohen resolveu ser um dos médicos sem fronteira no Iraque, e também depois que viu aquele muçulmano esquálido jogado ali na calçada, escancarando confissões à desconhecida de suéter rosa que o amparava na poça de sangue, ele cantava, chorava e dizia que adorava cantar, Sempre adorei, não sei se canto ou se morro, a garganta de James Cohen travou de dor, o homem morria e a canção de ninar ancestral brotava como um bálsamo trágico de suas vísceras apunhaladas, lágrimas gordas escorriam, eram feitas de gergelim e sal grosso, Mohamed riu, seu canto foi mel sobre a tristeza da vida interrompida; e no Iraque, talvez já sabendo do destino do perfumista Mohamed em Nova Iorque, outras formigas tinham subido numa fila ordenada, caminhavam devagar e resolutas, quase más, invadiram o andar de cima da casa da família e atormentavam a avó chorosa no quarto, circundavam sua cama emoldurada daquela tristeza antiga de tantas perdas. Em Nova Iorque, James Cohen afastou-se um pouco, esbarrou num bombeiro, urrou na rua estraçalhada como há anos precisava fazer. Desgraçados!!!!!! Nós e eles!!! Seu grito animal fez outras formigas baldias acocorarem-se nuns escombros meio assustadas perto daquela flor. O Iraque não tinha acabado. Muitas vezes James Cohen tinha ficado na dúvida, não sabia se vivia ou se morria, se ficava em Nova Iorque ou se partia para o outro lado da ponte, da cidade, do mundo, se deixava de vez a esposa insuportável, mas matar formigas nunca tinha matado nem mataria, podia até ser médico de formigas, pensou, e a lembrança de Salomé comoveu seu coração devastado. Sentou-se no chão ao lado da poça em que Mohamed se esvaía e rabiscou depressa um bilhete, Salomé já estava de volta à praia natal perto de Guantânamo, desfazia a mala ao ouvir a notícia do atentado pelo rádio desempoeirou o livro de poemas de Ernesto Cardenal e abriu-o ao acaso, encontrou a ode aos antigos toltecas que fundavam cidades cantando, se o mundo acabasse dali a alguns momentos ela morreria feliz e cantando, viu as formigas sob a mesa, caminhavam engraçadas, numa fila saltitante, a casa tinha ficado tantos meses fechada mas na solidão os rastros de açúcar se esconderam para surpreendê-la na volta, o rastro das pequenas peregrinas formou um coração na camada de pó, teriam passado por todas as dores planetárias antes de inscreverem sob a mesa aquele presságio e se aninharem sonolentas no seu lírico pote de mascavo bruto.
Salomé conectou o laptop e escreveu um breve e-mail para James Cohen, o médico norte-americano que tinha conhecido há poucos dias no congresso em Nova Iorque e que não saía de sua cabeça, de seu coração, de seu plexo solar: “O mundo está acabando, Dr Cohen. Gostaria de ir para Shangrilá comigo?”


imagem: Les Tombéed de la Nuit. http://www.webshots.com

Em memória de Loreta e Mohamed..

25.6.06

Quem somos nós?

Ele parecia calmo mas por dentro, é claro, como todos nós ele se roia. Para disfarçar, dizia: Desculpe, não quero teclar. Só venho colar mids. Naquela noite, sonolento, H48MsnCam sentiu algo mais no rastro dos bytes. Virou-se para a relação de nicks cheirando, os poros dilatados, os sentidos exaltados e lá estava ela, sob a SentinelaMS SozinhaNaNoite era esquisita. Encheu na hora os olhos dele. Ele desejou que estivesse ali a quase materialização do que há tanto tempo pedia por trás de todas as suas buscas dissimuladas nos chats, aquilo ardente que com força também rechaçava. Fechou os olhos em sonho e quando os abriu estava tonto. SozinhaNaNoite tinha desaparecido da lista. Na noite seguinte voltou para encontrá-la. De olhos fixos no nick dela, imaginou as voltas quentes que ela faria na cam, o foco da imagem mostraria uma angulação dengosa, obediente ela agarraria o mouse e se entregaria, contra o teclado afastaria um véu, do alto de sua cabeça um penacho louro se rebelaria. Carlos, rápido, pisciano, divorciado, moreno, grudou-se àquela fantasia já sem ar. Na terceira noite viu como era bela. Simples. Despojada. Ele imaginou como seria beijar devagar a sua pele. Engoliu o scotch com gula. Como ela era viva. Como brilhava. A labareda ergueu-se e o inundou. Algumas fagulhas caíram no chão, ele queimou as pontas dos dedos, depois esfregou no dorso da mão, pareceu que estava ensangüentado, ficou exausto e desligou. Procurou nos caminhos dos sonhos de que beduína caravana ela teria importado o seu exótico traje, sêxtuplas anáguas revirantes ao frêmito daquela estação. Sozinha contorcia o ventre negro misterioso. De seu umbigo jorrava um rubi.
No dia seguinte não foi trabalhar. Queria ela! Pensou nela o dia todo, procurou-a, quase contente com aquele seu penoso flagelo constante, a longa noite de insônia e aflição, dessa vez não se deteve enfim para analisar se a alegria que sentia era sagrada ou profana, pura ou pervertida, era alegria e ele gritou, chamando-a Vera. Não conseguiu tocá-la nessa cerimônia de batismo. Mas podia jurar que o que ela usava por baixo era seda.
Na quinta noite ele entrou ofegante na sala, seu coração ansiava selvagemente pelo amor. O que era aquilo que o puxava feito um imã?!! Outra vez tinha deixado de ir trabalhar. Quando a viu, afogou de novo o olhar na cintura dela e sentiu-se negligente e culpado, como poderia ser o grande empresário que queria ser, que devia ser, sabotando assim a rotina cotidiana? Deixando-se arrebatar por uma amizade recente e superficial?? Nem alguém real ela era. Estava louco. Estava muito cansado. Tinha trabalhado demais nos últimos anos, preparado muitas planilhas, sua coluna doía e a mente de tanto esforço talvez fraquejasse um pouco. Lembrou-se do pai sentado impassível à testa da empresa. Seria como ele. Tentou não ficar nervoso. SozinhaNaNoite notou que em vez de amor ele agora a temia. Para se defender puxou rápido para o outro lado todas as saias juntas mal a conexão se firmou. E de vingança deixou entrever pulsante aquela louca nesga laranja. Na sexta tarde H48 também não voltou ao escritório. Abriu pela última vez o laptop e viu como ela era tola. Estava lá. Deu graças por estar com os dias contados no chat e por não pertencer por origem àquela tribo irracional, escandalosa, despenteada. Perdida em mais adornos, saias mais compridas, longos brincos pendurados, colares entrançados que mexia a cada êxtase, H48MsnCam encarou-a friamente e não teve mais dúvidas: SozinhaNaNoite não tinha vindo nunca para o amor, mas unicamente para perdê-lo. Desmanchava-se em deleite, dançava, e quando a midi travou, ela interrompeu também o seu vaivém. H48 começou a estudá-la sério, com sofrida isenção contou de novo aquelas saias, observou que a cor de tudo era agora de uma intensa tonalidade incendiada, como se alguma característica oculta tivesse subitamente amadurecido. Isso terno lhe ardeu nos dedos, ele pensou na dureza da prova, bastante desanimado com a fraqueza da sua determinação. Como eram doces as malhas da afeição! Empertigou-se e sério concluiu: Vera é apenas uma aparição deste mundo ilusório. Uma farsa sem substância própria, um fantasma. Como aliás todos os fenômenos deste mundo virtual. Mas. Pensando bem, já que nada aqui de fato existe, então não há nada a temer! Nesse átimo de segundo H48MsnCam viu como era afortunado por saber: ele mesmo vazio de substância nenhuma! Que felicidade! Meus sentimentos então não importam, pois também não existem!
De repente viu que a imagem dela escureceu. Talvez por mágoa, quem sabe em queixa. Mas o jogo de luz e sombras também não seria uma ilusão? H48 outra vez se confundiu. Não sabia se a espiava ou se a ignorava de vez, por só se tratar de uma quimera transparente e perfumada.
Desligou o laptop, amanhã retornaria ao escritório, tinha enfim apaziguado o gume infame da paixão que o revirava inteiro desde que a vira. Na sétima noite estava mesmo convicto de que nada mais neste mundo virtual mentiroso o poderia abalar. Entrou então pela última vez para colar a midi de Rod Stewart e selar sua libertação. Por ter estado em adoração constante, por só ter vivido para dançar para ele, SozinhaNaNoite tinha exaurido o seu turbilhão interno, despojara-se de suas vestes uma por uma e ali jazia, CumpridaEnua, até que por acaso se desmanchasse.
Depois de colar oito midis, exausto H48 ponderou que talvez já pudesse virar-se e olhar para a lista sem perigo, dizer-lhe adeus sem retorno. Iria embora depressa, esqueceria toda essa loucura, e no dia seguinte retomaria a rotina do escritório. Mas ao pensar que ela estaria ali. A um palmo apenas da sua mão quente. Talvez em saias mais rodadas. Quem sabe um novo véu. Temeu perdê-la. Que algum outro internauta arrebatado ao som da próxima midi a raptasse. Ciumento se descontrolou, se sacudiu e suspirou sua paixão num grande jato que a derrubou. Abriu os olhos faminto decidido a agarrá-la, arrancá-la dali da sala, levá-la consigo só para ele. Mas onde estava ela?? SozinhaNaNoite tinha sumido. A tela tinha travado ou ela se escondia e repetia a brincadeira para provocá-lo?? O coração aos pulos H48 puxou panos, esgarçou nicks, tentando farejar pistas do que voando pudesse ter se desprendido dela. Rodeou salas, percorreu idades, então enroscada num tema inesperado numa sala de um idioma abstruso, H48 a pressentiu. Esperançoso formulou um galanteio, deparou-se mudo com uns destroços murchos. A flor do seu desespero estava morta. H48MsnCam uivou e levantou seu nick ferido da tela, tentou ressuscitá-la com lágrimas de ácida torrente, exalou sopro e beijos de saliva, inconformado com a brevidade daquela existência querida. Por que os guizos de sua amada tinham que ter sido tão reticentes??! Por que não o chamaram ao menos por escárnio para a tortura da separação? Os olhos dela emoldurados por feitiços de tição eram agora janelas pálidas cerradas para sempre, lacradas com esmero, indiferença, pó. Ela para morrer cobrira-se de uma cinza estranha, H48 tentou cobri-la um pouco que fosse, montá-la mesmo que na sombra da princesa linda que fora, para oferecer-lhe uma digna sepultura. Mas suspiros, delírios, saias de Sozinha tudo tinha sido misturado à tela enegrecida e o Sol da manhã, comovido, transformara todos os nicks numa imensa pira solidária. H48MsnCam encolhido não sabia o que fazer, não sabia mais quem era, aquele sumo escuro a lhe escorrer por dentro, como ferrugem e também por dor, ele de uma forma rubra também morria, também nascia, naquela agudeza de instinto meramente descarnado, naquele sofrimento vivo e verdadeiro.
Do Céu dos Simples, na Sala dos Rubis Naturalmente Incandescentes, o ImortalDaPedraPreta e sua amorosa amada ShaktiEscarlate olharam em chamas para outro ponto da Internet, escolhendo outra sala de chat para nela fincar num raio para o inferno e o céu de algum outro ser alguma outra noite, grávida de algum outro corcel de amor esgazeado.
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Imagem: Kiss kiss kiss kiss........by bennystroller..Album: True Music from Budweiser.. Webshots. "Used with permission from CNET Networks, Inc., Copyright 200_. All rights reserved."

20.6.06

Em amor tornada

Corri tanto atrás do amor
Que assustei o amor
Ah que cansei o amor

O amor viu que eu tinha armas
Pensou que eu fosse da polícia
Esperto o amor se disfarçou

Viu o amor que eu tinha capa
Achou que era o homem do saco
Menino o amor, ai, se trancou.
Viu aberta o amor a boca de gula
Tudo ele calmo brotava ao seu tempo
Acuado o amor se recusou.
Fechou-se em copas, fechou-me a cara
E ao passar por mim na rua
pro outro lado o amor olhou.

Sem seus olhos prá olhar, sem amor, de fome,
pus-me a odiar tão tenazmente o amor!
Mas quando minguei e morri foi só o amor
Só o amor me socorreu.
Vidente viu que eu era tola
Bondoso se compadeceu
Lavou meus ossos e em fogo brando
Em seu coração de amor intenso
O mago amor por amor me desmanchou

Mas não é só minha estratégia
Não é só compreensão.
Mortalha do amor, virei seu berço
Sem braços pra agarrar o amor tomou-me o amor
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imagem: Kuntuzangpo. Katsel Dharma Center: http://www.electrichalo.org/prayerofkuntuzangpo.html